sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A visão de um ônibus

Incrível o modo como me sentia quando passava por aquelas ruas e avenidas esburacadas. Totalmente desconfortável, a sacolejar de um lado para o outro. O mau cheiro vindo da lama acumulada nas esquinas muito me enojava. Tinha que atravessar, em vão, com muita cautela pra não me sujar.

Meninos vestidos com calções sujos e rasgados a correrem atrás de uma bola murcha, tão suja quanto eles. Arriscavam-se entre os carros. A diversão era notória em seus sorrisos amarelados como a fome que fazia suas barrigas roncarem insistentemente. Tinha que buscar muita paciência dentro de mim, porque a vontade era de passar por cima de todos e sair dali o mais rápido possível!

Logo, logo entraria no gozo de contemplar grandes e lindas casas que nem de longe se comparavam àqueles casebres desprezíveis e ridículos. As ruas muito limpas, bem arejadas.
Sempre parava com muito gosto quando um carro importado resolvia sair de uma mansão como o sol que nasce com toda sua glória ao Leste. Ficava lá, parado, apreciando a coisa bela, esforçando-me por enxergar quem estaria por detrás daqueles tão escuros vidros. Inclinava-me um pouco para frente para ver se conseguia visualizar alguém dentro da casa. Tentativa esta sempre frustrada.

Raramente via alguém nessas planas ruas e quando via, nunca correspondia ao meu alegre businar. Não ficava chateado no início, mas depois comecei a observar que os moradores estavam sempre de cara amarrada, às pressas, olhando para seus relógios de ouro 22 quilates. Raramente sorriam e quando o faziam era um sorriso superficial, como se estivessem fazendo a coisa mais difícil do mundo.

Foi inevitável a comparação. Como pode pessoas em situações tão precárias exibirem seus sorrisos e outras tão ricas serem tão carrancudas e infelizes? Refleti durante dias sobre isto enquanto fazia minha rota diária que me permitia ver os dois lados da moeda.

Agora aqueles meninos raquíticos, que corriam à minha frente jogando bola e outros a darem tchauzinhos aos meus cansados passageiros, já não me incomodavam mais. Pelo contrário, sentia-me à vontade, feliz. Agora eu tinha um olhar diferente, uma nova visão que me fazia entender que o pesar que outrora não sentia ao correr pelas “ruas-de-ouro” era a prova de que a vida com muitas riquezas poderia ser nada mais do que uma linda prisão e que o que realmente valia a pena era as coisas simples, ou seja, a própria vida.

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